terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Fortaleza na angústia- 13 lições do Salmo 31


Um Salmo de Davi. Ao mestre de música.
 
1 Em ti busquei refúgio, ó SENHOR;
não permitas que eu jamais seja
frustrado. Por tua justiça, abriga-me.1


2 Inclina para mim teu ouvido e apressa-te
em resgatar-me. Sê minha Rocha inabalável,
a fortaleza da minha salvação.


3 Tu és meu rochedo e a minha fortaleza;
pela honra do teu Nome, conduze-me e
guia-me.


4 Livra-me da cilada que me armaram,
pois tu és o meu refúgio.


5 Nas tuas mãos entrego o meu espírito; tu
me resgataste, SENHOR, o Deus verdadeiro.2

6 Repudio os que se mantêm em crenças
vãs e enganosas. Eu, porém, confiarei só
no SENHOR!3


7 Exultarei com grande alegria por tua
misericórdia, pois viste a minha aflição e
compreendeste a angústia da minha alma.


8 Não me entregaste nas mãos do inimigo,
mas aplainaste um caminho para que
meus pés passassem seguros.4


9 Tem misericórdia de mim, ó SENHOR!
Pois o desespero tomou conta da minha
alma e do meu corpo; os meus olhos se
consomem em prantos.


10 A minha vida tem transcorrido em
aflição, em lamentos, meus anos; devido
à culpa, minhas forças se esgotaram e
meus ossos se enfraqueceram.5


11 Por causa da quantidade de inimigos
que me cercam, tornei-me um escândalo;
para meus vizinhos, objeto de desonra; e
terror, para os meus amigos. Os que me
vêem na rua fogem para longe da minha
presença.


12 Sou esquecido por eles como se estivesse
morto; sou considerado como um
vaso quebrado.


13 Ouço muitos murmurando sobre mim;
o pavor me cerca por todos os lados,6 pois
sei que conspiram contra mim, tramando
como tirar-me a vida.


14 Mas em ti confiei, ó SENHOR, e proclamei:
“Tu és o meu Deus!”


15 Os meus dias estão em tuas mãos;
livra-me dos meus inimigos e daqueles
que me perseguem.7


16 Faze resplandecer sobre mim a tua
face;8 salva-me por tua benevolência.


17 Não seja eu decepcionado, pois com fé
te invoquei; humilhados e sem esperança
deixa os ímpios; que calados, fiquem no
túmulo.9


18 Sejam emudecidos os seus lábios mentirosos, pois com arrogância e desprezo
desonram os justos.


19 Imensa é a misericórdia que destinas
àqueles que te temem e que, à vista de
todos, dispensas aos que em ti buscam
refúgio.


20 No recôndito da tua presença os abrigas
das intrigas dos soberbos; na tua habitação,
os proteges das línguas maledicentes.


21 Bendito seja o SENHOR que me fez
conhecer sua misericórdia e lealdade
quando eu estava em uma cidade cercada.10


22 Em meu desespero, pensei: Fui excluído
da tua presença! Contudo, tu ouviste
as minhas súplicas quando clamei por
teu socorro.11


23 Amai o SENHOR, vós todos os seus fiéis.
O SENHOR defende os leais, mas aos arrogantes
retribui com largueza.12


24 Sede fortes e corajosos; Ele fortalecerá
o vosso ser, vós todos os que confiam e
esperam no SENHOR!13

1 Diversos homens de Deus fizeram uso deste salmo: Jeremias escreve suas confissões olhando para o v.13; Jonas faz uso do v.6, e Jesus faz uso da primeira parte do v.5, suas últimas palavras, ao padecer na cruz do Calvário, cerca de mil anos mais tarde. O próprio Davi, em sua velhice, começa uma de suas últimas orações, o salmo 71, retomando o conteúdo dos primeiros versos deste salmo 31. Em algumas cópias gregas, surge a expressão “Liberta-me” que aqui foi traduzida por “abriga-me”, por estar mais de acordo com os mais antigos e fiéis originais em hebraico. Davi buscou proteção no Senhor e a resposta de Deus é prova de sua existência e de seu cuidado pessoal para com aqueles que nele crêem. O silêncio de Deus acarretaria a zombaria dos inimigos sobre seu nome e a destruição de seu servo. Davi não pede porque é inocente ou mereça, mas, sim, porque é redimido (v.5).


2 Depois de presenciar a morte de milhares de pessoas do seu povo, Davi chega ao mais profundo entendimento sobre o que é viver: é entregar sua força vital (o espírito) nas mãos do Senhor. Davi louva a Deus por seu resgate. A palavra hebraica original transliterada em pāđâh raras vezes é empregada com respeito a expiação; o sentido mais comum e correto é o de libertação ou resgate das aflições. O livramento aqui é tão certo como se já tivesse ocorrido (o verbo hebraico está no tempo perfeito, o que corresponde ao pretérito perfeito em português), ou que os livramentos do passado motivam Davi a esse ato de completa entrega do seu ser a Yahweh (em hebraico, יהוה ) – Deus Único e Verdadeiro (Lv 6.4; 1Rs 14.27; Jr 36.20; Lc 23.46). Davi condena a idolatria e aponta para o Único capaz de nos livrar das ciladas do inimigo e da morte eterna. Cerca de mil anos mais tarde, Jesus Cristo repete a expressão de entrega de Davi, diante do seu povo. Agora não eram milhares de pessoas morrendo por causa do pecado mende um ungido do Senhor, mas sim o Ungido de Deus que entregava seu fôlego de vida humana, seu espírito, em sacrifício ao Pai, para a salvação de milhões e milhões de cristãos, pelos séculos dos séculos. Por isso, Estêvão o invoca para que seja seu refúgio, ao clamar: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (At 7.59).


3 Davi tinha uma convicção inegociável: ele amava ao Senhor de todo o seu coração, e só no Senhor confiava como sendo o Único e verdadeiro Deus – Criador do universo e da raça humana. Assim como creram Abel, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés e todos os demais profetas e homens de Deus (Hb 11). A expressão hebraica הבל hebel não se refere apenas a adoração a ídolos, mas também inclui em seu amplo significado, as crenças em teorias fúteis, ilusórias e inverossímeis. Por isso, todos quantos se deixam influenciar por cultos a ídolos, superstições, benzeduras, astrologia ou amuletos, assim como os animistas, deístas, heréticos ou agnósticos precisam ouvir a voz de Deus, arrepender-se de seus pecados, e entregar-se ao Senhor (Cl 2.8). Algumas versões trazem “tu detestas” ou “aborreces”, mas o termo no original hebraico indica que Davi é quem se expressa; “eu rejeito” ou “eu detesto” podendo ser estas outras traduções plausíveis.


4 O verbo hebraico original, aqui traduzido por “entregaste” era, normalmente, usado para indicar a condenação de alguém à prisão, contrastando com a liberdade declarada no v.8, o que dá à poesia hebraica beleza e significado ainda maiores. Deus usa seu poder para amorosamente escutar o íntimo (alma) de cada um de nós, e nos responde segundo sua misericórdia infinita e seu plano maravilhoso para cada indivíduo, por quem ele anseia ser chamado de Abba (papai ou pai querido, em aramaico Êx 3.6; Mc 14.36; Rm 8.15; Gl 4.6).


5 A expressão hebraica עון on tem um significado amplo e curioso para a cultura ocidental: tanto pode significar “pecado” como castigo – especialmente na forma de culpa – que advém do erro cometido e persegue renitentemente o culpado, aterrorizando sua mente, chegando a provocar depressões profundas e diversas reações psicossomáticas (cefaléias, dores musculares, diabetes, alergias, bronquites, úlceras e até cânceres). Além disso, a forma hebraica usada aqui ( וןע ) significa a “aflição” do remorso que a iniqüidade (extrema injustiça) sempre produz (Gn 4.13; 1Sm 28.10; 2Rs 7.9; Is 53.6-11). Ocorre que não era Deus quem estava condenando Davi, mas, sim, ele mesmo (a consciência), os homens (inimigos), e o diabo (o Inimigo), nossos maiores acusadores. Ao tirar os olhos do perdão de Deus, veremos um exército pronto a nos fuzilar. Jeremias conhecia esse assédio perverso (Jr 6.25; 20.3-10; 46.5; 49.29; Lm 2.22), a que chamou de “terror de todos os lados”.


6 A expressão hebraica “Magor- Missabib” (Terror-por-todos-os-lados) foi o mesmo nome que Jeremias deu a Pasur, o sacerdote que havia mandado açoitar o profeta, significando que “ele seria terrível para si e para todos os seus amigos” (Jr 20.1-4).


7 Em meio aos rumores de morte e às ciladas dos inimigos, Davi recorre à sua mais poderosa arma: sua fé absoluta em Yahweh – Nosso Único e Poderoso Deus. E afirma sua convicção no livramento do Senhor conjugando, no original hebraico, o futuro, como se passado fora. Além disso, Davi enfatiza a soberania de Deus e sua intimidade e dependência do Senhor para viver cada dia, antes de expressar suas petições.


8 Davi recorre à Palavra de Deus, como todos nós deveríamos proceder – especialmente em meio às tribulações da vida – e suplica a bênção do Senhor (Nm 6.25), que se tornou marca e tradição do povo de Deus. Essa expressão hebraica traz, em seu sentido original, a idéia de: “Senhor, mostra tua misericórdia e generosidade para com teu servo”.


9 Davi suplica que o Senhor demonstre, uma vez mais, que a fé daqueles que confiam em Deus não é vã; ao contrário dos caluniadores e ímpios, cuja astúcia e crueldade os conduzirá para o silêncio do Sheol (expressão hebraica para morte, túmulo, sepulcro ou volta ao pó) e à completa falta de esperança. Os incrédulos e faladores serão obrigados a se calar diante da justiça e do poder do Senhor – nosso salvador.


10 Davi exalta a proteção que o Senhor concede a seus fiéis, realizando seus feitos em público (“diante dos filhos dos homens”, como traduziu Calvino). Por isso, com esse eulogium (louvor, em latim), o salmista proclama o poder da divina providência, porquanto ela é suficiente para eliminar todos os males e promover o livramento e a justiça; enquanto brilha sobre os piedosos, concedendo alívio, consolo e vitória, ela cega, cala e debilita as mãos dos perversos. A expressão hebraica ריבסים rikasim indica que as pessoas perversas e malévolas são antes de tudo “soberbas”, pensam sobre si mesmas muito além do que convém e, por isso, se julgam merecedoras do serviço e louvor dos mais humildes (v.20). Aos fiéis, entretanto, o Senhor os guarda, protegidos, em seu recôndito; “seu mais oculto” ou “à sombra da tua presença”, como em alguns textos hebraicos.


11 A expressão hebraica חפז chaphaz, traduzida em algumas versões por “pressa” ou “espanto”, realmente tem um significado mais amplo, refletindo o estado de ansiedade, pânico e desespero que conturbava o equilíbrio psicológico de Davi naquele momento, assim como já havia ocorrido outras vezes (116.11). O termo hebraico אבן aken deve ser entendido aqui como palavra adversativa, “todavia” ou “não obstante”, a fim de mostrar que apesar dos maus pensamentos e sentimentos de deserção, com os quais todos nós somos tentados, a graça e a imensurável bondade do Senhor trouxeram Davi à sensatez da fé, venceram a incredulidade, e moveram sua alma a conclamar seu povo para confiar em Deus e adorá-Lo.


12 A expressão hebraica original על־יתר al-yether aparece em algumas versões com o sentido de “dar ao ímpio o que ele merece”. Entretanto, a expressão tem um sentido mais complexo e abrangente, mostrando que a justiça de Deus é extremamentesevera para com o incrédulo, podendo estender-se a seus filhos e netos.


13 Esta é uma tradução mais significativa do ponto de vista do conteúdo dos melhores originais hebraicos. Estamos diante de uma garantia de ajuda e companheirismo de Deus, se tivermos a ousadia (coragem) de aceitar o convite do Senhor, em vez de uma dupla exortação, como aparece em algumas versões. De qualquer forma, não se trata de uma promessa de pôr fim aos problemas, mas de conceder capacidade para vencê-los (Lc 22.42,43).

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