A oposição entre as doutrinas que o maçonismo e o catolicismo professam não é menos evidente em relação à constituição da família. E não poderia ser diferente, sendo dado que a família é o elemento social por excelência, e que é a este elemento, mais que a qualquer outro, que se deve aplicar, pela Igreja, o critério sobrenatural, e pela maçonaria, o critério naturalista ou secularizador.
A maçonaria ensina que o ato constitutivo da família, que é o casamento, não tem absolutamente nada a ver com Deus e com a religião. O homem, diz ela, se une a uma mulher porque a comunidade de natureza os chama a esta união, da qual nenhuma lei divina deve regular as condições. Entretanto, como isso é muito grosseiramente bestial para ser aceito sem protestação pelo gênero humano, que, apesar de tudo, se reconhece superior em algo aos cães e aos cavalos, a maçonaria inventou, para colorar e tornar menos repugnantes estas uniões sem a intervenção de Deus, uma certa sanção falsa, que é tanto quanto possível uma imitação da verdade, e que ela ornou com o nome de casamento civil. Assim, não é mais Deus, mas o Estado que se atribui o direito de sancionar a união legal dos dois sexos, de prescrever e de determinar suas condições.
O absurdo de tal união é tão evidente, que basta expô-lo para que o mais cego o entenda. Despojando o casamento de sua sanção divina e sobrenatural, não lhe resta mais nada do que senão uma sanção humana, que, por mais respeitável que a supõem, não deixará de ser sempre humana, de proceder do rei ou do parlamento, ou dos dois ao mesmo tempo. A lei humana não pode, portanto, dar a este contrato de casamento uma força maior do que a que ela dá aos demais contratos civis, autorizados e instituídos por ela. Pois bem! nos outros contratos, a lei não pode impor outra obrigação senão a que os contratantes querem se impor; e mesmo cada um deles pode acrescentar ao contrato as condições, restrições ou reservas que ele estipula de acordo com a outra parte contratante. O casamento fica, portanto, reduzido às condições de um contrato qualquer, ou melhor, a um simples tráfico, segundo uma expressão, que não é imprópria, de um escritor engenhoso. E este tráfico, ao qual as partes interessadas são livres para acrescentar ou subtrair as condições que sua livre vontade lhes dita, é, consequentemente, nem mais nem menos que a anulação completa da lei conjugal, uma verdadeira abolição do casamento.
E que os maçons não objetem que é precisamente para a conservação deste laço que foi estabelecida a lei; que nenhuma união tem efeitos civis e de sanção garantidos por tantas formalidades legais como o supracitado casamento civil. Observação inútil! E, inicialmente, trata-se de um capricho despótico da lei ou do Estado querer intervir, em nome somente do homem, em um contrato como este, impondo-lhe leis tão absolutas, enquanto ele deixa todos os demais contratos à livre e soberana disposição dos contratantes. A lógica é mais poderosa entre o homem que um artigo de fé; e quando este artigo é ilógico e inconsequente, daí a lei perde sua força e sua autoridade no pensamento daqueles mesmos que deveriam respeitá-la.
Assim, no caso presente, a lei prescreverá, por exemplo, muito oportunamente, muito razoavelmente, que um homem só pode se casar com uma mulher, que esta união será indissolúvel, e, ademais, que ela não pode ser contraída com este ou aquele grau de parentesco. Todavia, como ela não prescreverá isso em virtude de um princípio superior, de uma lei divina, mas visto que pareceu bom agir assim ao legislador monárquico ou democrático, ou seja, ao julgamento de um homem, logo um cidadão qualquer, homem assim como aquele que editou esta lei, dirá: “Vejamos! se duas mulheres consentem em viver ao mesmo tempo comigo em um casamento honesto, elas não poderiam? E se uma ou várias mulheres contraem esta união comigo, e se acertamos entre nós três que este contrato só será válido por um tempo, reservando-nos o direito de renová-lo ou de dissolvê-lo a cada ano, ou a cada cinco anos, ou a cada mês, ou a cada instante, por que não podemos? E se quisermos contrair esta união com nossos primos, nossos sobrinhos, nossos tios, e mesmo com nossos irmãos, quem pode nos impedir disso? Em que os direitos do outro são lesados? Qual lei geral é agitada com isso? (n.d.t.: Não é esse o pensamento daqueles que defendem a “união homossexual”?) Não vimos no princípio do mundo estas uniões serem contraídas necessariamente entre os parentes mais próximos? A poligamia não foi, entre diferentes povos, uma lei geral? E, depois de tudo, para que estas coisas sejam possíveis, não basta que os interessados as desejem, sem prejuízo a terceiros? Se olhamos como inútil a intervenção de Deus no contrato conjugal, por que comparecer diante do alcaide ou do juiz? Se o casamento é uma pura função humana, basta ao homem e à mulher usar de seu respectivo direito humano para estar unido doravante”. Assim pode raciocinar todo cidadão contra a lei maçônica; e a lei maçônica não pode responder nada a esta argumentação, que pertence ao simples bom senso.
Porém, ainda que a lei humana encontrasse em si força moral e um direito suficientes para dar uma sanção conveniente a um ato tão grave como este do qual questionamos aqui, é óbvio que hoje a lei humana, precisamente porque ela se privou de seu fundamento, que é a lei de Deus, não está segura de que ela prescreverá algo amanhã, em oposição, talvez, ao que ela prescreve atualmente. Expliquemos nosso pensamento.
O voto de um parlamento estatuiu hoje que o homem e a mulher estão legitimamente casados somente com a formalidade de sua declaração diante do alcaide ou do juiz: de tal modo tal é hoje o casamento, porque um voto do parlamento assim decidiu. Em consequência, o mesmo não se dará amanhã, se amanhã um novo voto do parlamento decidir o contrário. Assim, a formalidade augusta do laço conjugal, base da família, dependerá sempre de uma maioria de deputados que terão estatuído que o casamento deve ser considerado como estabelecido deste ou daquele modo. Esta maioria poderá decretar que o laço que une o homem e a mulher não é individual, mas que a poligamia ou a poliandria são permitidas, e tal será a lei; ela poderá votar que o contrato matrimonial é temporário e não mais perpétuo, e esta lei depende de seu voto; ela poderá estatuir que os esposos poderão se divorciar a pedido dos dois cônjuges ou de um deles, como acaba de fazer os revolucionários franceses, e tal será a lei, pelo fato de seu voto. E, em virtude do critério racionalista ou maçônico, a jurisprudência mais escrupulosa não poderá lhes opor nada. Que se constate, portanto, se, sim ou não, é óbvio que a pretendida instituição do casamento civil arrasta radicalmente com ela a destruição de todo o verdadeiro casamento, não sendo nada além de uma máscara sob a qual ela se esconde momentaneamente, para impedir o povo inexperiente de ver onde querem conduzi-lo.
É necessário colocar aqui, em oposição aos ensinamentos vergonhosos da maçonaria sobre o casamento, a doutrina da Igreja católica sobre o mesmo assunto? De forma alguma: todos os nossos leitores o conhecem suficientemente. A Igreja católica ensina a instituição divina do casamento, considerada seja no cristianismo, seja fora dele. Fora do cristianismo, antes de sua aparição e nos países onde ainda não brilhou sua luz divina, o homem e a mulher se unem, não em virtude de um direito que o Estado ou formalidades prescritas pela lei civil lhes conferem, mas em virtude de um princípio de ordem superior estabelecida por Deus no princípio do mundo, quando Ele disse: “O homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua esposa, e ambos serão uma só carne“.
Assim, pela lei natural, é somente a vontade única dos contratantes que constitui, diante de Deus, o casamento; no máximo, a autoridade do pai de família intervém para abençoar e sancionar esta união. Nas religiões positivas, no meio mesmo das maiores extravagâncias, é sempre a religião que se apresenta para autorizar e consagrar o casamento. Cristo o elevou à dignidade de sacramento, e declarou que ele é o símbolo da união mística que existe entre Ele e sua Igreja; e após tê-lo assim elevado, ele deixou à sua Igreja o cuidado de determinar as suas regras e circunstâncias, e garantir a unidade e a perpetuidade dele, subtraindo estas leis do capricho inconstante dos homens e da instabilidade das leis humanas, frequentemente tão caprichosas quanto os homens dos quais elas emanam. Que os senhores nos digam agora se o maçonismo e o catolicismo não estão em uma oposição radical relativamente à sua apreciação respectiva do casamento; que os senhores nos digam ainda qual dos dois provê melhor aos fins sublimes do casamento, à honra da mulher, e às prerrogativas da dignidade humana!
SALVANY, Dom Sarda Y. Maçonnisme et Catholicisme. Tradução de: Robson Carvalho. Paris: P.Lethielleux, 1890.
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